Adital – Neste mundo desigual, onde a maioria dos que foram criados „à semelhança divina“ sobrevive condenada à dessemelhança humana, surpreende o olho cinematográfico de Walter Salles. Ele entra pela porta dos fundos, lá onde se encontram os deserdados, os anônimos, os que padecem a vida. Seu mais recente filme, „Linha de Passe“, mereceu este ano, em Cannes, o prêmio de Melhor Atriz concedido à Sandra Corveloni.
Quem é esta atriz? Em que telenovela atuou? Indaga o público acostumado ao brilho de elencos globais. Em „Linha de Passe“, dirigido por Walter Salles e Daniela Thomas, Sandra representa Cleuza, mulher pobre da periferia em luta para salvar os quatro filhos da exclusáo social.
Onde a porta de saÃda para quem náo escolheu a miséria nem teve a sorte de ser premiado pela loteria biológica e nascer entre 1/3 da humanidade situado acima da linha da pobreza? Se em nosso paÃs a educaçáo escolar figura apenas como direito constitucional e virtual, que outra alternativa decente, fora do futebol, para um menino de favela?
Formado em economia na Universidade Católica do Rio e comunicaçáo audiovisual na Universidade da Califórnia, Waltinho tem tudo para ser um cineasta indiferente a dramas sociais. Filho de diplomata e banqueiro, sua famÃlia dirige o Unibanco e a CBMM, a maior empresa de nióbio do mundo. No entanto, ele enxerga a realidade pela ótica dos oprimidos, como diria Paulo Freire. Documentarista por formaçáo, seu enfoque ficcional centra-se no lado avesso da vida, como fez Chaplin em seus filmes de humor.
Em „Central do Brasil“ (1998) descreve a saga de uma nordestina (Fernanda Montenegro) que, em luta pela própria sobrevivência, redatora de cartas ditadas por analfabetos, se dedica aos cuidados de um menino órfáo (Vinicius de Oliveira). É uma obra sobre a solidariedade, cujos vÃnculos costumam ser mais fortes entre quem náo tem outra coisa a dar senáo a si mesmo. O filme mereceu 55 prêmios internacionais.
Em „Abril Despedaçado“ (2001), Salles retorna à aridez nordestina para retratar a cultura polÃtica fundada na espiral da violência, no conflito entre o desejo e a autoridade, o sonho e o poder.
Em „Diários de Motocicleta“ (2004), ele traz à tela a exuberante paisagem andina da América do Sul em contraste com a precária sobrevivência de povos secularmente explorados, entre os quais a hansenÃase parece ser – mais que uma doença – uma chaga social. Essa realidade, e náo propriamente as lições de um marxismo acadêmico, moldou o compromisso ético e a utopia libertária do jovem Ernesto, mais tarde conhecido como Che Guevara.
Na arte, o talento consiste em associar forma e conteúdo. E essa é uma caracterÃstica da filmografia de Walter Salles. Sua obra ficcional é calcada na realidade, sem no entanto ceder ao didatismo nem cair no proselitismo. Ele náo pretende denunciar as mazelas de um sistema fundado na primazia do capital, e náo na dignidade humana, nem exaltar o precoce heroÃsmo do jovem Che. Sua lente des-vela a realidade, arranca o véu, confunde nossos (pré)conceitos, faz emergir poesia no sofrimento, coragem na desesperança, ternura no desamor.
 „Guernica“, de Picasso, ressoa mais alto que todos os manifestos já escritos contra o nazifascismo. „A metamorfose“, de Kafka, e „Lavoura arcaica“, de Raduan Nassar, fazem da arte da metáfora algo inalcançável pelos tratados de psicologia dedicados à análise do autoritarismo.
Em matéria de conteúdo, a arte jamais supera a vida. Esta sempre surpreende. Diante dessa evidência, o risco é o artista se refugiar na ilusória ilha da linguagem que se basta, seja ela literária ou cinematográfica. A mais criativa e original caracterÃstica humana – a linguagem – é sempre um eco hermenêutico. Fala-se de algo ou de alguma coisa. Traduz um gesto, um objeto, uma idéia, um sonho.
Numa cultura cindida pela desigualdade social, malgrado o consumo universal do entretenimento televisivo, perdura a diferença e a divergência entre pontos de vista. Sáo sempre pontos de vista a partir de um ponto – seja o da porta da frente, seja o da porta dos fundos. É nessa brecha que a arte irrompe e transfigura-nos olhos, sentimentos, emoções e valores frente ao real. A escolha decorre inevitavelmente da postura moral e ética do artista. Este o mérito de Walter Salles.
[Frei Betto recebe hoje, 30 de maio, em Tarragona, Espanha, o Prêmio Ones Mediterrâneo, outorgado por seu empenho em prol da preservaçáo ambiental e da cultura solidária].
« Unbekannter Indianerstamm in Brasilien „entdeckt“? Interessante Unterschiede zwischen brasilianischer und europäischer Berichterstattung. – Martin Luther: „Von den Juden und ihren Lügen“(1543). „Darum immer weg mit ihnen.“ Luther und die Antisemitismus-Diskussion. Eisenach. „Bad People“. Brasilien, Kriegsverbrecher, Rechtsextremismus. „Jüdischer Ungeist“. Julius Streicher, Nürnberger Prozesse. »
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